O fim

Fui tomada por uma história. Ela permeava todos os instantes e todos os centímetros. Se escondia em cada sombra e cada raio de luz. Ressoava em toda música e todo silêncio. Agora, os instantes são instantes, os centímetro centímetros. As sombras apenas sombras, a luz apenas luz. A música é música e o silêncio, o silêncio é de ensurdecer.

Porque eu fui tomada por uma história. Ela me acolheu como uma criança, me deu dever de casa. Ela me mostrou caminhos sem me dar direção. Ela me organizou e me entregou ao caos. Me deu razão para escutar o mundo e também para separar-me dele. Ela me deu uma voz e um dicionário. Mas ao dar-se vida, dela me roubou.

Me roubou de organizar meus livros. Me roubou de ver o sol nascer. Me roubou da música. Dos domingos. Da Lapa (o que não é tão ruim assim). Do tédio, da calma, do nada e de mim. Me roubou das minhas próprias histórias.

As histórias me roubam de mim, me tomam por inteira e me ocupam. Porque, a verdade  pouco conveniente é que para ser narradora, preciso abrir mão de ser personagem. Não dá para ser os dois ao mesmo tempo, o que gera um verdadeiro impasse. Eu amo histórias. Amo criá-las, narrá-las, mas acho que narro porque a vontade real é de vivê-las.

Quando era criança e ia ao cinema assistir àquelas histórias fantásticas em mundos mágicos eu queria viver aquilo, não vê-lo, nem mesmo criá-lo. Mas ao contar uma história, qualquer que seja, abro mão de viver as minhas histórias. Se estou descrevendo o momento, não posso estar nele, não estou aqui, porque o aqui já não basta. Porque sem a história os instantes começam a ficar parecidos e os centímetros já não se diferenciam. Os dias que são iguais se juntam, se confundem e são um só e perco as pequenas coisas que fazem a diferença. Vestir o momento é deixar de dar-lhe nome, e esse vazio, esse silêncio, é a coisa mais assustadora que existe.

Mas então o que fazer? O que escolher? A vida é feita tanto de átomos quanto de histórias. Não tenho uma resposta no momento. Encontro-me no silêncio entre batidas cardíacas, no vazio entre o inspirar e o expirar. Mas quando outra história me visitar, te conto.

 

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